terça-feira, 5 de dezembro de 2017

O terceiro encontro do I ciclo de debates "Educação e Infâncias no CPII: Integração e Transição entre Educação Infantil e Ensino Fundamental" trouxe uma discussão muito rica e instigante, tratando do tema "Brincadeira tem hora?" E nossos convidados contribuíram bastante com suas reflexões e experiências. Ana Carolina Martins, que representou o segmento Educação Infantil no debate em questão, compartilhou conosco o texto de sua autoria que usou como base de sua fala no debate. Aí vai mais um gostinho do debate para quem não foi e uma lembrança boa para quem esteve lá no dia.


Brincadeira tem hora?1


Ana Carolina Martins2

Antes de responder a pergunta que motiva este encontro, “Brincadeira tem hora?” (que
talvez eu sequer responda por acreditar que há coisas mais férteis para fazer com as perguntas do que simplesmente respondê-las), gostaria de convidá-los a pensar sobre a própria dimensão do brincar. O que está inscrito nesse gesto que une humanos e gatos? Que aproxima sociedades diametralmente opostas como nativos da Polinésia no século XIX e as crianças que estudam conosco, aqui no Pedro II? Que operação a brincadeira realiza no mundo? Que saber é este que a infância guarda? E por que nos ocupamos com empenho em desensinar a brincar? Irei ensaiar nesta comunicação uma experiência de fazer outras coisas com as perguntas. Procurarei, ao invés de respondê-las, fazer imagens com as perguntas. Não imagens captadas pela vista, não imagens-projeções, mas figuras imaginadas que possam nos aproximar das perguntas ao modo das crianças.

Brincar é o modo próprio de existência da infância. Poderíamos dizer, ampliando o
conceito de infância, que todo aquele que não desaprendeu a brincar mantêm em si a potência da infância. E com esta o seu saber mais fundamental que é aquele a partir do qual as crianças agem no mundo. Brincar é agir no mundo ao modo das crianças. Devemos nos debruçar um pouco sobre o que seja agir no mundo, ou com Hannah Arendt, agir-mundo (ARENDT, 2010). Trata-se de uma ação na qual estão inscritas possibilidades inéditas que modificam as relações habituais e as formas tradicionais de existir.

Uma caixa de brinquedos é suficiente para produzir uma figura desta particular forma de ação presente no gesto infantil de brincar. Ao organizarmos os espaços e brinquedos nas nossas salas, não raro preparamos e separamos, cuidadosamente, as caixas de carrinho, os utensílios para massinha, as caixas de boneca, o báu de fantoches, os potes com miniaturas, outros com os animais da fazenda, num movimento infinito de classificação que diz respeito unicamente aos adultos. Mas, ao fazermos a experiência de observar os critérios de organização das crianças, não deveríamos nos surpreender, porque sempre acontece, quando encontrarmos panelinhas nas massinhas, blocos de montar dentro da geladeira da casinha ou nas caçambas dos caminhões, os animais da fazenda sobre os carrinhos de bebês, etc. Infinita e inutilmente vamos nós, outra vez, por cada coisa em seu lugar. Estamos, com isso, apenas a achatar o mundo sobre o qual as crianças estavam a inventar, a reinstituir de outros modos os sentidos já determinados de nossa ordem, sem nos darmos conta de que lá, nos blocos dentro das geladeiras, estavam as sobremesas
mais deliciosas para as quais não temos o paladar apurado.

Ao aproximar os objetos da forma mais aparentemente desbaratada, as crianças investem seus sentidos no mundo, criam novas formas de se relacionar com as coisas, instauram novas séries. Esse agir mundo infantil têm, além de colocar sobre a mesma superfície objetos aparentemente desconexos, como os poetas colocam as palavras nos poemas, um aspecto temporal que desabilita o tempo cronológico. Este tempo, o nosso, adulto e responsável, dos relógios e das horas aulas, são completamente esquecidos pelas crianças quando brincam. Esse tempo a que Walter Benjamin chamou “homogêneo e vazio” (BENJAMIN, 2012) se transforma em uma temporalidade integral e plena de alegria, nas mãos das crianças.

A transformação da cronologia acontece em diversos níveis. Quando a temporalidade se
comprime num brevíssimo instante de recreio, que por mais que pareçam, aos nossos ouvidos, uma eterna gritaria endiabrada é, sempre, ligeiríssimo para as crianças. Acontece também quando elas transformam um objeto qualquer de uso cotidiano, um teclado velho de computador, uma bolsa já há muito esquecida no cabide de fantasias, em brinquedo. Esse objeto, pelo gesto da miniaturização, se torna um contradispositivo que instaura um novo tempo, que não é nem passado, nem futuro, mas a temporalidade da infância, a temporalidade do entre, a mais fértil temporalidade que a experiência humana do tempo é capaz de fazer. O objeto que antes pertencia à esfera do mundo adulto passa a possuir um novo uso, em sua nova configuração de brinquedo, esse objeto guarda a potência revolucionária de um “uma vez, agora não mais”, desse modo: “uma vez, agora não mais uma bolsa”, “uma vez, agora não mais teclado”. Sendo “uma vez agora não mais”, tudo pode se tornar brinquedo e é isso que fazem as crianças, transformam o mundo das coisas úteis em brinquedos, como nos ensina Giorgio Agamben (AGAMBEN, 2005).

Assim, a pergunta que me motivou a pensar este pequeno, porém radical, deslocamento da experiência do tempo, pode ser contornada. Se a interrogação “brincadeira tem hora?” diz respeito ao tempo cronológico, se a pergunta pressupõe um sim ou um não como resposta, irei mantê-la em suspenso. Peço desculpas, mas não sou capaz de dar essa resposta. Hora, essa fração de tempo mensurável e quantificável não cabe na temporalidade da infância e do brinquedo. compreendemos isto quando pensamos que toda a existência infantil é brincadeira. De modo que, da alvorada ao instante em que adormece é a hora da brincadeira para uma criança. 

Outras perguntas, no entanto, surgem desta não resposta: O que cabe à nós, professores, diante de uma tal existência, diante da constatação de que seres brincantes são o que são as crianças? Cabe insistir na inadequação da experiência de novas ordens diante de nossa organização? Insistir na impropriedade de outros modos de se relacionar com o tempo em relação à cronologia? Se é isso que nos cabe, como muitas vezes acreditamos, iremos falhar.  Falharemos porque as crianças brincaram com suas borrachas, escrevendo “SIM”, “NÃO” e“TALVEZ” e jogando com elas a sorte umas das outras, numa espécie de quiromancia profanada. Falharemos porque elas dobram as folhas de papel com as atividades que muitas vezes preparamos a fim de ensiná-las (as letras, as cores, os números, as estações do ano) pintadas por elas e oferecem aos amigos e professores queridos, de novo dando a estes papéis usos completamente novos e inesperados. Eu mesma, com alegria e espanto já recebi inúmeras gravuras que pretendiam ensinar que em setembro celebramos a chegada da primavera, como um presente, como um afeto, como uma brincadeira.

Restam ainda outras perguntas (que continuarão a restar, mas que podem nos deslocar, tal
qual os brinquedos carregados de um lugar a outro): Será que cabe aos professores, então,
somente permitir a brincadeira? Abrir espaço para a brincadeira? Constatar que as crianças
gostam de brincar e, somente por isso, transformar a brincadeira em meio para que as crianças aprendam outras coisas? Aos professores de Educação Infantil e Ensino Fundamental, é familiar a afirmação de que as crianças aprendem brincando. E atentos a esta informação, passamos a tentar ensinar a matemática a partir de jogos, a ensinar a língua escrita através de brincadeiras com o alfabeto e, com isso, transformamos a brincadeira em um utensílio de uso adulto. Transformamos a brincadeira tão somente em uma estratégia pedagógica.

Ao operarmos com as brincadeiras como um mero facilitador da aprendizagem, estaremos ainda esquecendo que a brincadeira é uma forma-de-vida (AGAMBEN, 2014), a forma-de-vida da infância e não estaremos aprendendo nada com elas. Ao investirmos na brincadeira como um meio para alguma coisa, um caminho, uma via, ao depositarmos nossa prática na compreensão da brincadeira como um mecanismo através do qual as crianças aprendem, nós, professores, estaremos retirando do brincar sua principal força. Força que não diz respeito às nossas finalidades e objetivos, mas que diz respeito somente a potência infantil de agir no mundo. Não por acaso, temos tanta dificuldade de jogar com elas. Nossa dificuldade decorre do fato de que jogamos na nossa língua, jogamos com as regras prontas do mundo significado e limitado dos adultos, do saber e da ciência. O jogo não é isto. Aprender não é isto. Isto é, transmitir sentidos já instaurados, lógicas pré-fabricadas disfarçadas pela dinâmica do jogo.

Só jogaremos com a matemática e com a representação escrita da língua quando entendermos que esse movimento é feito pelas próprias crianças. Porque essas linguagens estão no mundo e se elas estão no mundo as crianças brincam com elas, brincam de descobrir suas funções para os adultos, inventam as suas próprias funções para elas, percebem as lógicas já instauradas e propõe novas lógicas.

E este seja, talvez o ponto mais delicado de tangenciar. Se temos tão pouco tempo cronológico para ensinar tantas coisas, se é preciso alfabetizar, se elas já experimentaram jogar com essas linguagens na Educação Infantil (em alguns contextos específicos e privilegiados), talvez seja hora, no Ensino Fundamental, de fazer com que passem um pouco para essa forma de brincar, a forma da brincadeira como um meio para aprender. Talvez a cronologia determinante de nossas vidas na sociedade contemporânea só permita que a escola seja isso, no melhor dos casos, um espaço onde as crianças poderão aprender brincando. Mas se assim for, onde o novo? Ou, julgamos que vivemos numa sociedade tão bem acabada que não precisamos do novo? Que ao perpetuarmos o já dado realizamos mais que o suficiente, considerando que chegamos a um estado de evolução tal, que nada mais é possível? Não há outra forma de responder a essa pergunta se não com o deboche da hashtag , #sóquenão.

Não é saber operar tecnicamente algumas linguagens ou disciplinas que muda o mundo. Como tentei demonstrar, o que instaura o inédito é o agir mundo das crianças. É a capacidade da infância de deslocar os sentidos já dados, de colocar sobre a tábua do saber pequenos dos adultos, um tamanduá com asas. As crianças inventam, todos os dias, ornitorrincos para a ciência. Ornitorrinco é aquele animal, meio ave, meio aquático, meio mamífero, que bota ovos e que fez a ciência ter que inventar novas categorias porque as suas se mostraram falhas, porque as categorias da ciência são também uma invenção, um recorte, uma escolha. E isso não é mal, mas não é tudo. Tem um limite e o limite está em uma nova invenção. O limite está em uma cadeia de limão para onde as crianças enviam os seus monstros.


Referências Bibliográficas:

AGAMBEN, Giorgio. Infância e História: destruição da experiência e origem da
história. Tradução de Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.
AGAMBEN, Giorgio. Altíssima pobreza: regras monásticas e formas-de-vida. Tradução
de Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2014.
ARENDT, Hannah. A condição Humana ; tradução Roberto Raposo. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2010.
BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de história”. In: O anjo da história. Organização
e tradução de João Barrento. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012.
BENJAMIN. Walter. “Brinquedo e brincadeira. Observações sobre uma obra
monumental” In: Obras Escolhidas I: Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre a literatura e história da cultura . São Paulo: Editora Brasiliense, 1987.
BENJAMIN. Walter. “História Cultural do brinquedo” In: Obras Escolhidas I: Magia e
técnica, arte e política: Ensaios sobre a literatura e história da cultura . São Paulo: Editora
Brasiliense, 1987.

1 Comunicação apresentada no I Educação e Infância do CPII no dia 16 de outubro de 2017.
2 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Filosofia - PPGF da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Professora do Ensino Básico Técnico e Tecnológico do Departamento de Educação Infantil do Colégio Pedro II.

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Mesa de debate: “Brincadeira tem hora?”

Mesa de debate: “Brincadeira tem hora?”
Nosso terceiro encontro aconteceu no dia 16 de outubro de 2017 no Auditório do Campus Humaitá I do Colégio Pedro II e alimentou ainda mais a conversa sobre a transição. A pergunta tema do debate, “Brincadeira tem hora?” desdobrou-se em muitas e nos levou a diferentes reflexões. A mesa foi composta pelas professoras Ana Carolina Martins (Educação Infantil do Colégio Pedro II) e Carolina Monteiro (EF do Colégio Pedro II) e o professor Aristeo Leite (UERJ).
O professor Aristeu Leite iniciou o debate com uma provocação sobre “fazer uma pré-escola que não é uma escola”. Questionou o fato de, por falta de uma didática específica, algumas escolas acabarem reproduzindo práticas do Ensino Fundamental na Educação Infantil. Provocou nossa inquietação questionando por que ficamos historicamente conhecidos como Homo Sapiens e não como Homo Ludens, valorizando sempre mais a razão em detrimento do lúdico, da brincadeira. Mas é preciso ter hora para brincar? Existe algum momento que é proibido brincar? Quando? Onde? Esquecemos que somos brincantes, somos lúdicos.
A sociedade tem muitas certezas e planos em relação ao futuro das crianças. Mas que futuro é esse? O que se planeja? O que se almeja? Se fizer curso de inglês terá um bom futuro? Se entrar no berçário A ou B já garante passar no ENEM? São muitas receitas diante de um futuro incerto. Aristeo falou de um olhar para a pré-escola como se ela fosse salvar a escola.
Em sua fala, Aristeo citou muitas/os educadoras/educadores e brincantes, como Lydia Hortélio, Lauro de Oliveira Lima, Rubem Alves e Maria Amélia Pinho Pereira, a Peo da Casa Redonda.


A professora Ana Carolina iniciou sua fala nos convidando a imaginar, em paralelo ao que já vem pronto.  Trouxe reflexões acerca da pergunta tema do nosso encontro, mas sem se propor a respondê-la, afinal, “há coisas mais interessantes para se fazer com uma pergunta do que respondê-la”, como ela mesma disse ter ouvido certa vez. Falou sobre o afeto como a extensão da brincadeira, de como a brincadeira é universal, que crianças de diferentes países podem brincar juntas sem o uso da fala e se entenderem nesse cenário. Ana Carolina nos fez refletir sobre a ideia de que a brincadeira não realiza nada. Será que realiza? O que realiza? Será que precisa realizar algo?
Por que será que insistimos em “desensinar” as crianças a brincar? Quando acaba a Educação Infantil, as crianças ouvem muitas coisas como “Ah, já brincou muito na Educação Infantil!”, “No Fundamental não tem mais isso, agora é escola mesmo, não é mais brincadeira!” Por que diminuir o valor do brincar e propor sua extinção quando “o brincar é um modo próprio de existência da infância”, “um modo de agir no mundo da infância”?
Ana Carolina propos diversos exemplos de situações cotidianas que vivemos com as crianças, mostrando a diferença do tempo das crianças e o nosso, a nossa organização do espaço e a delas. Mostrou como algumas vezes acabamos “achatando o mundo das crianças” quando insistimos em o tempo todo instituir nossa ordem e nosso tempo como o certo, o ideal, sem considerar os delas. Esquecemos que só mudamos a ordem do mundo brincando.
A professora nos convidou a pensar sobre a expressão “hora da brincadeira” e nos trouxe Walter Benjamin, ao questionar “o que são as outras horas então?”. Essa experiência de tempo que instauramos nas crianças tem relação com a temporalidade, sua visão da brincadeira como a hora do amanhecer até o adormecer, ou seja a hora da brincadeira é toda hora. “Se a criança não brinca, ela não existe, brincar é a forma de vida da infância”. Então, quando a criança do Ensino Fundamental brinca com uma borracha, por exemplo, no momento que deveria estar fazendo uma atividade em uma folhinha proposta pela professora/professor, não é um desrespeito, mas a única forma que ela tem de viver, é seu modo de existência.
Ana Carolina finalizou sua fala afirmando que temos que entender que nós é que precisamos aprender a brincar/jogar com as crianças e não o contrário.
Carolina Monteiro trouxe sua experiência com as crianças através de projetos desenvolvidos em turmas de Ensino Fundamental no Colégio Pedro II. Destacou o fato de que uma das formas de entrada no Colégio Pedro II no primeiro ano do Ensino Fundamental é o sorteio de vagas. Sendo assim, a instituição recebe muitas crianças com diferentes experiências que podem ou não envolver a brincadeira. Algumas crianças já entram no 1º ano lendo e escrevendo de forma cursiva, sob a lógica da “folhinha de atividades”. E nesse sentido, às vezes as próprias crianças acham que “se não teve folhinha, não trabalharam, não fizeram nada”.
Carolina afirmou que no Ensino Fundamental existe a sistematização, mas que a mesma não elimina a brincadeira. Mostrou projetos que foram desenvolvidos partindo de temas que emergiram de uma escuta atenta às necessidades das crianças e apresentou várias imagens de cenas cotidianas da escola, como, por exemplo, os espaçostempos de brincadeiras de livre escolha das crianças, onde são disponibilizados brinquedos, jogos e materiais diversos.
A professora nos convidou a pensar nos espaçostempos nos/dos currículos produzidos no cotidiano do Ensino Fundamental e a considerar a arquitetura das escolas que atendem às crianças a partir de 6 anos e as culturas infantis que atravessam ontem, hoje e sempre as experiências com e a partir da brincadeira.


Após as falas dos convidados, abriu-se um bloco de perguntas do público, que giraram em torno de questões como: angústias geradas por cobranças sociais, das famílias e das próprias instituições; o fato da brincadeira mediada ser diferente da brincadeira livre do recreio (no caso do Ensino Fundamental), uma vez que nesses momentos as crianças brincarem sem a presença tão próxima de adultos; o lugar de encontro das crianças e dos adultos; e da intencionalidade da brincadeira.

(Registrado por Camila Perrota e Carolina Sousa)



(Os convidados Aristeo Leite, Carolina Monteiro, Ana Carolina Martins e a mediadora Lucidalva Silva)










terça-feira, 10 de outubro de 2017

BRINCADEIRA TEM HORA?


No dia 16/10, segunda-feira, nos encontramos no auditório do campus Humaitá I para compartilhar ideias e experiências sobre a transição entre Educação Infantil e Ensino Fundamental: brincadeira tem hora?



quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Mesa de debate: “Alfabetização: Tensões e contradições na transição entre Educação Infantil e Ensino Fundamental”

Nosso segundo debate ocorreu no dia 20 de Setembro no Teatro do Campus Tijuca II do Colégio Pedro II sob o título “Alfabetização: tensões e contradições na transição entre Educação Infantil e Ensino Fundamental”. A mesa foi composta pelas professoras Vera Moura da Educação Infantil do Pedro II Realengo; Nélia Macedo do Ensino Fundamental do Pedro II Engenho Novo e Patrícia Corsino professora e pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A professora Vera Moura iniciou o evento compartilhando suas experiências com práticas de leitura e escrita na Educação Infantil em suas turmas de crianças de 3 e 5 anos. Pontuou a perspectiva da escola como um lócus de transmissão de conhecimento e alertou para a especificidade do trabalho na primeira etapa da educação básica quando famílias perguntam sobre o lugar alfabetização na primeira infância. Diante dessa tensão, lançou a seguinte provocação: Como nós, professoras da Educação Infantil, respondemos a essas questões? Como nós respondemos ao que não é da nossa alçada? Segundo a professora, o objetivo da Educação Infantil não é alfabetizar, mas possibilitar um encontro com as múltiplas linguagens, incluindo a leitura e a escrita.
Em seguida Vera trouxe relatos de experiências de trabalhos orientados pela perspectiva da pedagogia de projetos, no qual pode exemplificar como as diferentes linguagens "aborda", "trata" o conhecimento na educação infantil, sobretudo o conhecimento escrito. Destacou como os registros escritos e a leitura atravessam/perpassam a rotina das crianças, quais foram os percursos, as descobertas....
Para falar das práticas no primeiro ano do ensino fundamental, a professora Nélia Macedo compartilhou algumas de suas práticas de acolhimento das crianças egressas da Educação Infantil. O que eles sentiam quando chegavam? O que é parecido e o que é muito diferente de suas experiências na Educação Infantil? Foram algumas das perguntas que nortearam a professora na escuta das expectativas das crianças que vinham de contextos diversos, principalmente pela condição de sorteio como ingresso ao primeiro ano. Observou que a fala das crianças se confundiam com as expectativas dos adultos. “Agora eu vou aprender”- respondeu uma criança. “Antes a gente só brincava” – disse outra. Nessa proposta de ouvir as crianças relatou que elas chegaram querendo muito trabalho em folhas, desejando prova. A partir dessas respostas, começou um trabalho de desconstrução e de entendimento das crianças sobre o lugar da aprendizagem. Chamou atenção para o desenho de uma criança que representou a sala de aula enfileirada quando propõe uma organização em grupos nesse espaço. Sobre os sentimentos das crianças ao chegar algumas respostas traziam o medo de se perderem, a saudade dos amigos e o medo das professoras brigarem.
Na construção da rotina com o primeiro ano, Nélia destaca os itens de continuação para que as crianças não sentissem tanto a ruptura de um segmento para o outro com a presença de jogos, brincadeiras, massinha, etc. Destacou que nesse trabalho de alfabetização não abre mãos de dois momentos diários: A roda de conversa para o compartilhamento de experiências e a contação de histórias.  Também comentou que opta pelo uso da letra bastão no trabalho de apropriação da leitura e da escrita.
A última fala do debate ficou com a professora e pesquisadora Patrícia Corsino trazendo pontos que dialogavam com a instituição do Colégio Pedro II e o lugar da escola ontem e hoje.  Conservação e renovação, reprodução e emancipação, lousa e tela, pedagogia da transmissão e pedagogia da participação.  Pensando na construção de contextos educativos complexos e um ambiente relacional, a professora faz sua aposta na pedagogia da participação.  Apesar dos desafios imbricados nessa pedagogia, Patrícia Corsino afirmou que não podemos subestimar o espaço de participação das crianças. Ao discutir a especificidade da Educação Infantil colocou três princípios: a ludicidade, a continuidade e a significatividade. Tais princípios, segundo a professora, se articulam aos eixos brincar e interagir, conforme descrevem as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (2009). Anunciou que é possível pensar o Ensino Fundamental a partir dos três princípios e dos eixos da Educação Infantil.
Na Educação Infantil, com os campos de experiências, o currículo gira em torno das brincadeiras, interações e objetivos amplos. Já o Ensino Fundamental, com áreas de conhecimentos, o currículo gira em torno dos conteúdos e objetivos específicos. Patrícia Corsino sinalizou que uma das grandes diferenças entre EI e EF é a sistematização, mas, no entanto, ambos estão lidando com crianças e suas infâncias. É a infância que não cabe com 6 anos? Nesse sentido, define o professor da EI e do primeiro segmento do EF como um sujeito que brinca, que se deixa afetar. Questionou a repetição do termo “escuta” em diferentes contextos trazidos de maneira superficial e afirmou que essa escuta precisa ser de corpo inteiro.
Ao trazer para a discussão o trabalho com a leitura e a escrita enfatizou a potencialidade dos registros dos projetos, das propostas na EI, em sua capacidade de reflexões diversas. Além disso, chamou atenção para a fala da autoridade da EI. Comparou o discurso do médico onde há pouca desconfiança com o discurso fragilizado do professor da Educação Infantil onde todos dão palpites. Ressaltou que é preciso ter a argumentação na ponta da língua para esse processo de defesa e convencimento de uma especificidade de trabalho. Acredita que os responsáveis pelas crianças tem que ir à escola muitas vezes e em diferentes contextos para que esse processo aconteça. Diante de uma pergunta da plateia sobre métodos de alfabetização na Educação Infantil, Patrícia Corsino respondeu: “Compre livros para seu filho. Leia para ele. Leia com ele. Leia com afeto. Se você fizer isso, não precisa fazer mais nada.”

(Registrado por Débora de Lima do Carmo)





sábado, 16 de setembro de 2017

Letramento e polifonia

Nosso segundo encontro está chegando e, pensando em enriquecer nossa discussão, postamos mais um material muito interessante sobre o tema:

Letramento e polifonia: um estudo de aspectos discursivos do processo de alfabetização 

"Um desafio que se coloca hoje para a escola é como trabalhar a apropriação e a criação de conhecimentos, com base na relação passado/presente/futuro, de modo a não perder o sentido histórico dos sujeitos e da sociedade, estando inseridos todos, professores e alunos, numa dinâmica social altamente complexa e heterogênea, de uma sociedade capitalista que apela precipuamente para aspectos individuais dos sujeitos e para o aqui e o agora. A dinâmica social mostra-se complexa e heterogênea, com múltiplas perspectivas. Destaco aqui, principalmente, a perspectiva cultural, que se expressa em diferentes áreas do conhecimento (filosófica, científica, lingüística, artística, de gênero, étnica, religiosa, entre outras), e a perspectiva de classes sociais, que se expressa pelos diferentes valores atribuídos por estas classes aos diferentes conhecimentos, agências, objetos, atividades, relações e atitudes sociais. As formas como hoje esses conhecimentos se cruzam, aproximando-se e afastando-se, ao mesmo tempo, geram necessidades cada vez mais urgentes de se continuar repensando, entre muitas outras questões, e, no sentido deste estudo, a prática pedagógica discursiva, no interior da prática social, nas suas múltiplas dimensões".

(Cecília M. A. Goulart)


Clique aqui para o texto completo.


Boas reflexões e até lá!

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Projeto Leitura e Escrita na Educação Infantil

Nosso segundo encontro está chegando. E, para aquecer a discussão, postamos aqui um material muito rico, que trata do tema leitura e escrita na Educação Infantil, desenvolvido por profissionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Patricia Corsino, participante da nossa segunda mesa, faz parte da equipe responsável pela produção do material. Vale a pena conhecer.

"O material didático do Curso “Leitura e Escrita na Educação Infantil” tem como objetivo a formação de professoras da Educação Infantil para que possam desenvolver, com qualidade, o trabalho com a linguagem oral e escrita, em creches e pré-escolas.

A Coleção está constituída de oito cadernos compostos por três unidades temáticas cada um. Os textos foram  escritos por diferentes autores, o que permite ampliar o diálogo sobre teorias e práticas que informam e dão concretude ao trabalho docente. Além dos oito cadernos temáticos, há um caderno de apresentação e um encarte destinado às famílias das crianças. O projeto gráfico da Coleção foi cuidadosamente pensado para articular forma e conteúdo, com ilustrações de Graça Lima, Mariana Massarani e Roger Mello, artistas consagrados no campo da literatura infantil". 
(Trecho retirado do site do projeto)


Clique aqui para conhecer o material.


Temos certeza que a discussão será maravilhosa. Esperamos vocês lá dia 20/09/2017!





terça-feira, 29 de agosto de 2017

Transição entre Educação Infantil e Ensino Fundamental

Nosso primeiro encontro foi maravilhoso! Alimentou nossas reflexões sobre a transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental.

A professora Lucidalva Silva ( CREIR)  trouxe uma experiência de visita ao espaço do Fundamental com as crianças da Educação Infantil ( ambos segmentos do complexo de Realengo do Colégio Pedro II). Acompanhadas por professores de Educação Física e Música, as crianças conhecerem esse novo espaço, se relacionando com ele, vivendo essas descobertas e percebendo algumas diferenças - como as cadeiras, que são individuais.

A professora Amanda Marcicano ( primeiro segmento do Ensino Fundamental do Pedro II) trouxe o lúdico e a fantasia no caminho da alfabetização, o trabalho com os projetos na sua prática no Ensino Fundamental. Contou sobre o envolvimento das crianças que estavam escrevendo cartas para os personagens das histórias, criando hipóteses carregadas de sentidos.

Enriquecendo ainda mais a mesa, a fala da professora da Uerj Bruna Molisani trouxe algumas reflexões teóricas sobre o espaço, tempo, professores, crianças, conhecimento e relações envoltas nesse tema.

O debate foi aberto à perguntas e falas, que compuseram ainda mais esse lugar de encontro, trazendo diferentes olhares de dentro e de fora da instituição.

E essa conversa continua... Nosso próximo encontro será no dia 20 de Setembro com o tema Alfabetização: tensões e contradições na transição entre Educação Infantil e Ensino Fundamental, esperamos vocês lá no Teatro do Campus Tijuca II!

Para dar um gostinho de como foi o evento, aqui vão algumas fotos:






O terceiro encontro do I ciclo de debates "Educação e Infâncias no CPII: Integração e Transição entre Educação Infantil e Ensino Fundam...