terça-feira, 24 de outubro de 2017

Mesa de debate: “Brincadeira tem hora?”

Mesa de debate: “Brincadeira tem hora?”
Nosso terceiro encontro aconteceu no dia 16 de outubro de 2017 no Auditório do Campus Humaitá I do Colégio Pedro II e alimentou ainda mais a conversa sobre a transição. A pergunta tema do debate, “Brincadeira tem hora?” desdobrou-se em muitas e nos levou a diferentes reflexões. A mesa foi composta pelas professoras Ana Carolina Martins (Educação Infantil do Colégio Pedro II) e Carolina Monteiro (EF do Colégio Pedro II) e o professor Aristeo Leite (UERJ).
O professor Aristeu Leite iniciou o debate com uma provocação sobre “fazer uma pré-escola que não é uma escola”. Questionou o fato de, por falta de uma didática específica, algumas escolas acabarem reproduzindo práticas do Ensino Fundamental na Educação Infantil. Provocou nossa inquietação questionando por que ficamos historicamente conhecidos como Homo Sapiens e não como Homo Ludens, valorizando sempre mais a razão em detrimento do lúdico, da brincadeira. Mas é preciso ter hora para brincar? Existe algum momento que é proibido brincar? Quando? Onde? Esquecemos que somos brincantes, somos lúdicos.
A sociedade tem muitas certezas e planos em relação ao futuro das crianças. Mas que futuro é esse? O que se planeja? O que se almeja? Se fizer curso de inglês terá um bom futuro? Se entrar no berçário A ou B já garante passar no ENEM? São muitas receitas diante de um futuro incerto. Aristeo falou de um olhar para a pré-escola como se ela fosse salvar a escola.
Em sua fala, Aristeo citou muitas/os educadoras/educadores e brincantes, como Lydia Hortélio, Lauro de Oliveira Lima, Rubem Alves e Maria Amélia Pinho Pereira, a Peo da Casa Redonda.


A professora Ana Carolina iniciou sua fala nos convidando a imaginar, em paralelo ao que já vem pronto.  Trouxe reflexões acerca da pergunta tema do nosso encontro, mas sem se propor a respondê-la, afinal, “há coisas mais interessantes para se fazer com uma pergunta do que respondê-la”, como ela mesma disse ter ouvido certa vez. Falou sobre o afeto como a extensão da brincadeira, de como a brincadeira é universal, que crianças de diferentes países podem brincar juntas sem o uso da fala e se entenderem nesse cenário. Ana Carolina nos fez refletir sobre a ideia de que a brincadeira não realiza nada. Será que realiza? O que realiza? Será que precisa realizar algo?
Por que será que insistimos em “desensinar” as crianças a brincar? Quando acaba a Educação Infantil, as crianças ouvem muitas coisas como “Ah, já brincou muito na Educação Infantil!”, “No Fundamental não tem mais isso, agora é escola mesmo, não é mais brincadeira!” Por que diminuir o valor do brincar e propor sua extinção quando “o brincar é um modo próprio de existência da infância”, “um modo de agir no mundo da infância”?
Ana Carolina propos diversos exemplos de situações cotidianas que vivemos com as crianças, mostrando a diferença do tempo das crianças e o nosso, a nossa organização do espaço e a delas. Mostrou como algumas vezes acabamos “achatando o mundo das crianças” quando insistimos em o tempo todo instituir nossa ordem e nosso tempo como o certo, o ideal, sem considerar os delas. Esquecemos que só mudamos a ordem do mundo brincando.
A professora nos convidou a pensar sobre a expressão “hora da brincadeira” e nos trouxe Walter Benjamin, ao questionar “o que são as outras horas então?”. Essa experiência de tempo que instauramos nas crianças tem relação com a temporalidade, sua visão da brincadeira como a hora do amanhecer até o adormecer, ou seja a hora da brincadeira é toda hora. “Se a criança não brinca, ela não existe, brincar é a forma de vida da infância”. Então, quando a criança do Ensino Fundamental brinca com uma borracha, por exemplo, no momento que deveria estar fazendo uma atividade em uma folhinha proposta pela professora/professor, não é um desrespeito, mas a única forma que ela tem de viver, é seu modo de existência.
Ana Carolina finalizou sua fala afirmando que temos que entender que nós é que precisamos aprender a brincar/jogar com as crianças e não o contrário.
Carolina Monteiro trouxe sua experiência com as crianças através de projetos desenvolvidos em turmas de Ensino Fundamental no Colégio Pedro II. Destacou o fato de que uma das formas de entrada no Colégio Pedro II no primeiro ano do Ensino Fundamental é o sorteio de vagas. Sendo assim, a instituição recebe muitas crianças com diferentes experiências que podem ou não envolver a brincadeira. Algumas crianças já entram no 1º ano lendo e escrevendo de forma cursiva, sob a lógica da “folhinha de atividades”. E nesse sentido, às vezes as próprias crianças acham que “se não teve folhinha, não trabalharam, não fizeram nada”.
Carolina afirmou que no Ensino Fundamental existe a sistematização, mas que a mesma não elimina a brincadeira. Mostrou projetos que foram desenvolvidos partindo de temas que emergiram de uma escuta atenta às necessidades das crianças e apresentou várias imagens de cenas cotidianas da escola, como, por exemplo, os espaçostempos de brincadeiras de livre escolha das crianças, onde são disponibilizados brinquedos, jogos e materiais diversos.
A professora nos convidou a pensar nos espaçostempos nos/dos currículos produzidos no cotidiano do Ensino Fundamental e a considerar a arquitetura das escolas que atendem às crianças a partir de 6 anos e as culturas infantis que atravessam ontem, hoje e sempre as experiências com e a partir da brincadeira.


Após as falas dos convidados, abriu-se um bloco de perguntas do público, que giraram em torno de questões como: angústias geradas por cobranças sociais, das famílias e das próprias instituições; o fato da brincadeira mediada ser diferente da brincadeira livre do recreio (no caso do Ensino Fundamental), uma vez que nesses momentos as crianças brincarem sem a presença tão próxima de adultos; o lugar de encontro das crianças e dos adultos; e da intencionalidade da brincadeira.

(Registrado por Camila Perrota e Carolina Sousa)



(Os convidados Aristeo Leite, Carolina Monteiro, Ana Carolina Martins e a mediadora Lucidalva Silva)










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